David Nogueira: “O ensino híbrido é o caminho da educação”
Assessor especial da Secretaria de Educação detalha como será o ensino na rede pública com as teleaulas e com as avaliações não presenciais dos alunos a partir de julho
Reinventar a educação e as suas metodologias de ensino transformou-se no grande desafio de educadores e especialistas neste período de pandemia e isolamento social. Na rede pública, buscar caminhos para que alunos dos mais variadas classes e condições sociais sejam assistidos mostra-se um trabalho ainda mais ousada a fim de garantir o cumprimento do calendário escolar e do fechamento do ano letivo após meses de atividades suspensas.
A partir de julho, o Governo do Distrito Federal (GDF), por meio da Secretaria de Educação, inicia o trabalho de acompanhamento dos estudantes com a expansão das teleaulas na TV, plataformas digitais e da distribuição de materiais impressos gratuitos a quem não tem acesso à internet. Os professores voltam às atividades não presenciais em junho, com uma reformulada grade curricular para cumprir o ano letivo de 2020.
A campanha Learning never stops, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), revela que 165 países foram afetados pela pandemia do novo coronavírus. Com as medidas de prevenção, 1,5 bilhão de crianças e jovens, que correspondem a 87% da população mundial de estudantes na faixa escolar, foram ou ainda estão sendo afetados com a necessidade de suspensão das aulas. No Distrito Federal, as escolas permanecem fechadas desde 11 de março.
O ensino híbrido, que deverá mesclar a presença dos alunos em sala de aula no segundo semestre com o ensino a distância, se desponta como um novo caminho. “E deve ressignificar o protagonismo do estudante durante seu aprendizado”, reforça o assessor especial da Secretaria de Educação David Fernando Nogueira.
Em entrevista à Agência Brasília, ele detalha como será o retorno gradual das atividades, o que está sendo pensado para o acompanhamento de alunos da educação especial, como serão ministradas as aulas pela televisão e como seguir o princípio de igualdade na educação sem deixar de lado o da equidade. “Não adianta eu repartir igualmente para todos, sem ser justo ao avaliar as condições econômicas de cada um deles.”
Qual a estratégia do GDF para a realização das atividades pedagógicas não presenciais neste período de isolamento?
A gente já está fazendo atividades não-presenciais usando a televisão, por meio das teleaulas, e pela plataforma digital Google for Education, ou Google Classroom, que está sendo usada em vários lugares do mundo. Algumas escolas já estamos distribuindo um material impresso com esse mesmo conteúdo. Só que esse trabalho que a gente está fazendo até agora foi para o estudante não perder o vínculo, continuar engajado, mas não estava valendo como horas letivas. O que faremos agora é efetivar esse trabalho para que ele, de fato, valha por horas letivas para os estudantes. Para que isso aconteça, a gente precisa ampliar os canais de transmissão na TV. Atualmente, temos três horas na TV Justiça. O que faremos é ampliar para três horas por dia, por exemplo, só para o ensino médio, indo de uma hora para o ensino infantil a três horas e meia para o ensino integral de televisão. Então, por dia, a gente vai ter cerca de 40 horas de programação para os estudantes da rede pública do Distrito Federal. Serão quatro canais com dez horas diárias [de aulas].
Já está definido quais serão esses canais?
Não. Estamos no processo de licitação para chamar os canais e defini-los. Pedimos que a rede que for fazer isso tenha a capacidade de realizar transmissões ao vivo porque já percebemos que as aulas em tempo real são mais interessantes para os nossos alunos, começando 8h da manhã e terminando às 22h com os estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Aí essas emissoras terão um tempo de 24 horas, talvez um pouco mais, para pegar essa programação que foi ao vivo e subir os vídeos para os estudantes que, porventura, tenham perdido as aulas e possam acompanhá-las depois por meio das videoaulas.
O que será diferente do que já está sendo feito hoje?
Primeiro que a gente conseguirá atender com qualidade: teremos espaço para cada ano e série dentro da programação da TV, muito definido com horários das aulas e conteúdos específicos. Para além disso, fica obrigatório tanto o professor quanto o aluno se engajem por meio da plataforma ou por meio dos trabalhos impressos. Até agora era opcional. Mas a partir dessa implantação será obrigatória a participação do professor com suas turmas e dos estudantes. E aqueles estudantes e professores que não puderem fazer isso por meio da plataforma, poderão fazê-lo por meio do material impresso e por uma central de atendimento que está sendo montada em que o professor poderá atender o estudante pelo telefone, pelo WhatsApp, dentro de um período específico.
Esse material impresso estará disponível de que forma? Nas escolas, para que as pessoas que não tenham acesso a essas outras plataformas eletrônicas possam ir lá buscar?
Isso, o material impresso ficará disponível nas escolas. A logística de distribuição será responsabilidade de cada regional de ensino que se organizará da forma que mais lhe convier. Algumas, inclusive, já falaram em utilizar o transporte escolar para deixar esse material onde o estudante pega o ônibus. Outras vão fazer com que os estudantes que morem perto da escola vão até lá para buscá-lo.
Tudo isso começa a valer a partir de quando?
A gente quer fazer o retorno dos professores agora, no começo de junho, e aí começamos a fazer o treinamento deles; muda muito a prática pedagógica. Agora que estaremos fazendo tudo mediado, por tecnologia, então há muitas formações que a gente precisa definir: como fazer as atividades, como utilizar as teleaulas nas suas atividades na plataforma. Paralelamente, está ocorrendo a contratação das TVs. Então, a gente imagina que tudo já esteja pronto lá pelo fim de junho, começo de julho. Em resumo: voltamos com os professores no começo de junho e começamos a validar as aulas a partir do início de julho.
Como será essa volta dos professores?
É importante frisar que essa volta não será presencial. O professor estará à disposição. As escolas permanecem fechadas e os docentes em regime de teletrabalho para fazer coordenações pedagógicas on-line, formações on-line, atendimentos para trocar informações e experiências nesse período.
Será possível amenizar os impactos da falta do aprendizado presencial neste período de escolas fechadas?
É possível amenizar. Nunca é possível recuperar completamente o que é o aprendizado presencial, mas nossa preocupação é garantir a aprendizagem. E como a gente faz isso? Reorganizando o currículo, pegando avaliações diagnósticas dos anos passados e vendo quais foram as principais dificuldades dos nossos estudantes em cada ano série. A partir daí, reorganizamos o currículo aula a aula, semana a semana.
Então o cronograma programado para 2020 é readaptado, isso?
Isso. Foi refeito para se adequar e atender esse período.
Como será possível ressignificar o protagonismo do aluno nesse novo processo de aprendizagem?
Na verdade, isso é necessário porque, nesse novo modelo de trabalho, grande parte é do estudante. Então, as atividades têm que ser aquelas que estimulem a pesquisa, o pensamento crítico para que o estudante seja um ator dentro da plataforma ou no trabalho impresso, em que ele construa esse conhecimento junto com o professor. As aulas expositivas ficarão muito reduzidas, né? Só na televisão. A gente entende que são outras formas de organizar esse saber nessa prática pedagógica, mas essas práticas podem ser interessantes.
Quem tem acesso à internet terá outro conteúdo dentro plataforma?
Vamos imaginar que estamos na primeira semana da volta. Na primeira semana, o conteúdo da matéria, de história, por exemplo, do 1º ano, é a Grécia. Isso significa que as teleaulas na primeira semana o tema será Grécia. As atividades na plataforma vão ser Grécia. As atividades impressas vão ser Grécia. As escolas vão combinar isso com seus alunos, cada uma vai organizar e tem até dois meses para recolher as atividades. Então, quando o aluno X entregar as atividades relativas a Grécia, seja pela plataforma digital ou por meio impresso, o professor vai atestar o aprendizado dele e a presença dele por meio da atividade dele. A atividade da plataforma e a do impresso vai ser a mesma, com algumas adequações. O meio só é que muda.
A gente da rede pública precisa pensar é não só na igualdade, mas também na equidade
Muito se discute a falta de igualdade e das diferentes condições de acesso pelos estudantes, principalmente os de baixa renda como os mais prejudicados. Como isso vem sendo pensado pela Secretaria de Educação de modo a preservar a qualidade do ensino?
Uma coisa que a gente da rede pública precisa pensar é não só na igualdade, mas também na equidade. Não adianta eu dar uma maçã para um e uma maçã para outro sendo que a de um dele é podre. Não vai adiantar eu repartir igualmente sem ser justo. Como a gente está fazendo isso? Primeiro indo em vários fronts. A gente tem a TV, que é o meio mais democrático; a gente tem a plataforma com a internet que é o meio que propicia atividades mais interessantes, e a gente tem o impresso, porque não são todos que têm acesso à internet. Também começamos a negociar um pacote de dados patrocinados: um estudante ou professor que acessasse aquela plataforma não teria a internet cobrada do seu programa de dados, mas sim da própria Secretaria de Educação do Governo do Distrito Federal. Essa é também uma forma de amenizar um pouco essas grandes diferenças que existem.
Como o senhor acredita que será o retorno das crianças e jovens às aulas presenciais? Como a Secretaria de Educação está se planejando para isso?
A Secretaria, quando pensou esse planejamento pedagógico, avaliou todos os cenários possíveis. Estamos fechando essa programação, nesse formato [não presencial], até dezembro. Porque se a gente voltar em agosto, por exemplo, com 20% dos alunos no presencial, não vai ter problema, porque como todos estarão andando no mesmo passo, como a matéria na primeira série do primeiro ano é Grécia, em qualquer escola pública do DF que tenha ensino médio, não importa se o aluno estiver presencial ou não, ele terá o mesmo conteúdo. Por isso demos essa uniformizada no currículo prevendo qualquer cenário. Se ficarmos só no mediado (sem presença na sala de aula), ficaremos no mediado. Se tiver uma parte dos alunos em cada um dos modos, ainda assim a gente conseguirá cumprir [o calendário e o conteúdo].
Qual avaliação dá pra fazer do que tem sido feito até agora?
A gente teve retornos diferentes para programações diferentes. Atualmente, às terças e quintas há aulas ao vivo para o ensino médio, e às segundas, quartas e sextas temos aulas gravadas para educação infantil até o EJA. Mas a gente percebeu que as aulas das terças e quintas, com uma hora de aula para a primeira série, uma pra segunda e outra pra terceira, têm um retorno bom. Nas outras a gente recebeu a crítica de que é difícil, muitas vezes, para o pai saber quando será exatamente a aula para o filho dele. Muitas vezes o programa da criança do 6º ano são 15 minutos, muitas vezes perdidos na programação. Muitas vezes todos os anos iniciais ficam juntos numa mesma programação – o que confunde identificar se se trata de uma programação para o 5º ano, para o 2º ano. Por isso, absorvemos essas críticas e estamos promovendo a ampliação dos canais, a programação separada, para que todo muito saiba muito bem qual é o seu horário. E ainda tem o horário estendido. Quem vai ter muito menos tempo de televisão é a educação infantil – baseados na Sociedade Brasileira de Pediatria que recomenda às crianças dessa idade a exposição a até 1h por dia. Já o ensino médio terá 3h30 por dia. E o restante da carga horária é complementada pelas atividades – em plataformas ou impressas.
Cada vez mais a gente vai se adaptar a esse tipo de ensino, vai conseguir fazer com que as aprendizagens sejam efetivas
Os testes e provas serão realizados de que forma?
Isso ficará a cargo de cada professor, mas será discutido numa outra oportunidade – e em debate já antigo dentro da educação, os testes e provas. A gente sabe que, como estão hoje, não funcionam. Muitas vezes o aluno decora um certo conteúdo para um certo momento pontual e se tira 60%, 70% naquele conteúdo e aí se está aprovado, quando a gente sabe que o melhor na educação é uma avaliação processual, semana a semana, se possível aula a aula, para que o educador veja a evolução do estudante dentro daquele conteúdo. Para esse contexto mediado, a avaliação que se faz mais sentido é a processual. A gente vai fazer o treinamento dos professores e a gente espera que eles passem a usar cada vez mais esse tipo de avaliação porque ela faz mais sentido nesse contexto.
Como serão assistidas as crianças da educação especial?
Aqueles que já estão em turmas de inclusão podem voltar normalmente com suas turmas – a gente colocou, inclusive, acessibilidade do material impresso. E os estudantes dos centros terão um trabalho especial feito pela Subsecretaria de Educação Integral e Inclusão porque alguns deles talvez necessitem de atendimento presencial por algum tempo. Daí, provavelmente precisem ir até a escola, com todas as precauções necessárias. Os estudantes da educação especial são os que mais sentem falta da escola. Para muitos deles, o convívio social é muito importante.
O ensino híbrido, com momentos presenciais e mediados pela tecnologia, é um caminho que se desponta para uma nova metodologia?
Eu acho que cada vez mais a gente vai se adaptar a esse tipo de ensino, vai conseguir fazer com que as aprendizagens, mesmo que por meios tecnológicos, consigam ser efetivas. E, no cenário que tem sido desenvolvido, é possível que isso seja um caminho para os próximos meses ou talvez até para o próximo ano. Até porque, se de fato a gente ficar com essas idas e vindas de epidemia, se precisarmos termos momentos de reclusão, de isolamento social, talvez seja uma saída mesmo.