Sobe heróis e jardins

por Felipe Raposo

Todo dia é um novo dia para recomeçar, por mais que tudo pareça estar perdido. É muito difícil não perder as esperanças e sair tropeçando pelo caminho até se encontrar. Aliás, quando a isca do desespero fisga seu coração, é quase impossível não se entregar. Tudo é realmente muito complicado. E você acaba navegando por aí, sem direção. O desespero leva a isso, ao nada. O desespero te leva a um quarto vazio, com umidade nas paredes e lixo pelo chão, bitucas de cigarro por todo lado e algumas garrafas vazias de euforia passageira.
Aí você se lembra de quando tudo começou. Como tudo se tornou nessa bagunça. Quando foi que aqueles olhos vivos e brilhantes se tornaram nesses buracos sem vida. Quando você, nas raras vezes em que se olha no espelho, vê no que se tornou e nem se reconhece mais. Nem mais  se lembra do som do seu sorriso verdadeiro, não esse sorriso carregado de agonia e outra vez… desespero! Quando foi que isso aconteceu?
Acredite, não foi de uma hora pra outra. Assim como não surge um câncer do dia pra noite, pelo menos um que não possa ser eliminado sem quimioterapia.  Não foi como as ervas daninhas que estragaram seu belo jardim. Cheio de petúnias, cravos, rosas e margaridas. Demoraram um tempo, até que você percebeba no que ele se tornou. Quando seu jardim se tornou essa coisa murcha e sem vida ao redor da sua casa?
Aí você se lembra de tudo.  É como uma porrada na cara, e com soqueira! Até dá tontura. Trechos da sua vida vão passando pela sua frente, enquanto olha pela janela sem ver nada. O café na caneca já esfriou dado o tempo da sua contemplação da desgraça invisível vista pela janela. O café frio desce mais amargo do que o que deveria ser, na verdade nada mais desce como deveria. Nada tem o mesmo sabor. As mesmas formas. Não há mais beleza em nada. E tudo é culpa sua e tudo é culpa. Mesmo não sendo de todo ou em nada. Tudo é perda e esse é o gosto das coisas, o cheiro das coisas, a aparências das coisas. A culpa te corrói e distorce as coisas.
Você se lembra dos momentos desperdiçados, outrora sem importância. Momentos que naquela hora não tinham sentido, mas agora têm um peso enorme e se fosse possível voltar atrás e nem piscaria para vivê-los outra vez, de forma real, não apenas em sonhos como os vistos pela janela, sem ver nada. O café não saboreado com uma boa conversa por ter coisas mais “importantes” a fazer. Um filme bobo sobre um robô lixeiro de um futuro distante, que você achou chato, e agora vê com tanta frequência que sabe todas as falas, tentando reviver algo perdido.  Todas as vezes que foi chamado (a) pra cuidar do jardim, com direito a banho de mangueira no fim e você detestava isso por se molhar à toa, sem aproveitar o frescor da água num dia de calor, e a alegria real envolvida. O passeio descompromissado, pelo simples prazer de andar do lado… Coisas que não faziam nenhum sentido passam a ter todo o sentido, quando se começa, a saber, que o sentido de tudo está nisso tudo: as coisas simples.
Tudo são coisas simples no fim das contas. Todas as dores são feitas de estilhaços de uma bomba que explodiu perto demais de você e que atingiram seu coração, e estão te matando aos poucos. Mas eu tenho uma boa notícia. Não precisa ser um gênio, playboy e filantropo pra se salvar disso. Nem mesmo é necessário fazer uma armadura pra se defender das coisas. Muito menos criar um dispositivo que afaste essas memórias do seu coração. Essas memórias trouxeram você até aqui, diante do seu maior desafio. E você nem se tocou disso até agora não é?  Não são elas que estão te matando. O que está te matando é o abandono. Você se deixou pra lá. Era complicado demais. Você desistiu de ser o protagonista da sua vida. E agora está agindo como o verdadeiro vilão. Estas ervas daninhas e estilhaços querendo invadir seu coração, são a culpa. A culpa faz com que tudo o que tente fazer pra se livrar do desespero e agonia seja interpretado como mais um fracasso. Alguma coisa te sussurra que você vai errar mais uma vez. Por isso você se abandonou. Nada adiantaria não é?  Mas você está errado outra vez, só que pelos motivos errados, mais uma vez. Ainda existe uma vida aí. Gritando! Presa! Desesperada! O Lugar que você a confinou não a cabe. Já pensou num Pastor Alemão preso por dias á fio, numa gaiola, sem água, sem carinho e sem comida? Definhando… Você está cometendo essa crueldade contra você mesmo. E, de verdade será que você merece tudo isso?
O passado é perfeito. É como qualquer estória ou a história do mundo mesmo. Os personagens foram imperfeitos e por isso cometeram erros. Ou heróis magníficos e puros como deuses, a vida fez com que sofressem de algum jeito. Mesmo seres mitológicos não escaparam do sofrimento, que é a sina de quem vive. Isso mesmo! A sina de quem vive! Sim!!! A vida dói… Crescer dói. Cair dói. Subir dói. Acordar de um sonho lindo também doí… Dizer um não ou sim dói… Ser você mesmo, no escuro do seu quarto. Estar numa festa sem gente querida. Ter pipoca sem ter com quem dividir.

Cuide mais do seu jardim… cuide mais da vida aí dentro. Ela quer crescer, assim como você quer se livrar da dor. Cuide de você e verá que os estilhaços vão sumir sem que você precise de um reator no seu peito.

Poliana Costa
Author: Poliana Costa

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