Por Kleber Ribeiro
Começo falando sobre o Dia da Consciência Negra. Realmente precisamos desse dia? É claro que devemos ter consciência humana no dia a dia, mas esteja na pele de um negro e tente argumentar sobre tal condolência HUMANA. Agora, me refiro ao decreto desta data que causa controvérsia em alguns estados e setores comerciais que sempre ameaçam se rebelar contra o feriado. Questiono a dificuldade de aceitar esse momento. Tiradentes pode, mas Zumbi não? Emblemático seria se um presidente da Republica tornasse este dia num feriado nacional. A história de luta e resistência do povo negro estaria no patamar adequado, o legado de Palmares estaria redimensionado. Assumir uma data para celebrar a negritude vai de encontro ao ideário de embranquecimento, que busca expurgar o sangue negro e limpar a raça brasileira. É a mesma ideologia que cria e sustenta a ilusão de que não existe racismo no Brasil e que serve como base para muitos argumentos que questionam a necessidade e a importância do Dia da Consciência Negra. No fundo, a estratégia de fragmentar sua identidade e dificultar que o povo negro atue enquanto grupo tem sido a consequência mais perversa do mito da democracia racial. Mas tudo tem origem e começo. Alguns, inclusive para gerar desgastes. Ao me aprofundar eu poderia viajar até os idos de mãe África, mas neste momento, me embasarei em elementos mais cotidianos, inclusive do hoje. Onde a melanina ainda é afrontada.
O nascimento de uma pessoa é concebido com uma série de protocolo. Registro, Certidão de Nascimento , documentos que comumente podem ser requeridos em algumas ocasiões durante a história de uma vida. Com riqueza de detalhes, eles podem inclusive, falar sobre a cor da pele. O fato é que desde que houve a promulgação da atual Constituição, também foi desobrigada essa informação nas Certidões. Sempre aconteceu algum constrangimento com a manifestação deste quesito. No passado, o documento do hospital encaminhado ao cartório não informava a cor do recém nascido. A tarefa ficava por conta de terceiros. Funcionários olhavam para os pais e deduziam. Chegavam também a perguntar, o que inúmeras vezes trouxe constrangimento. Sobretudo, quando o pai dizia por exemplo, que o filho era negro e a mãe reclamava discordando. Após torna-se facultativa a manifestação étnica, os registradores reforçavam a importância de tal declaração para efeito de estatística aos órgãos oficiais. Principalmente, nos dias atuais, o racismo contra os negros aparece em manifestações sutis as vezes tão discretas ou mesmo equivocadas, que pessoas que se assumem brancas ou pardas, nem percebem que contribuem para o aumento da exclusão, da discriminação, do preconceito, do racismo velado ou adquirido “culturalmente” em favor de um desaculturamento.
Como assim? Responda se você já não disse ou ouviu alguém dizer que comprou uma calcinha cor de pele ou que queria usar o lápis cor de pele? E aí, de repente você verifica que cor de pele é aquele tom rosa mais claro ou puxado para o bege. Isso está equivocado. Tocar o cabelo afro para sentir a maciez ou saber se não espeta… Como assim? Tem pessoas que fazem isso. Parem, isso não é normal. Se atente também quanto ao taxamento e lembre-se que são 55% de negros no país, mais da metade da população brasileira que ultrapassa aproximadamente 205 milhões de pessoas no geral. Então, jamais diga que esta pessoa é morena clara quando ela diz ser negra. Evite também chamar seus amigos de minha nega ou nego , pretinha ou pretinho seu carinho pode acabar sendo uma forçação de barra dispensável. Nem tudo é fofo. Por isso perceba os limites do próximo. Vamos esclarecer também que cotas existem em resposta à desigualdade e não para serem argumentos preconceituosos. Negros não entram na faculdade única e exclusivamente por cotas e também não entram só aqueles que são considerados extremamente inteligentes. Se você faz parte do time que reforça que agora “tudo é racismo”, já está sendo racista. Precisamos entender que racismo não é mi, mi, mi. Você pode nunca ter sofrido, mas ele está aí e por isso, representatividade importa. Enxergar os negros como serviçais ou retratados como bandidos só fortalece estigmas equivocados. Por isso, ninguém descende de escravos, humanos descendem de humanos e por dentro temos os mesmos órgãos e o mesmo sangue vermelho correndo nas veias. Esses são apenas alguns exemplos dentre tantos atos depreciativos que estão aí no cotidiano.
Aqui no Distrito Federal, de acordo com os últimos dados levantados pela Codeplan em 2015, a maioria da população se declarou negra. Foram estimados 2.906.298 habitantes, sendo o contingente de negros calculados em 1.683.606, resultando em 57,93% do total. Inclusive, o levantamento mostrou que o padrão de renda tem relação inversa. Quanto maior a renda de determinada localidade, menor era a proporção de negros. De acordo com o presidente da companhia, Lúcio Rennó, os estudos que fizeram revelam dados que embasam desigualdade, exclusão e discriminação. Já o diretor de Estudos Socioeconômicas e Pesquisas da entidade, Bruno de Oliveira Cruz, ressaltou que 20% de negros e não negros diferem em grupos nas regiões administrativas. As melhorias ainda são paulatinas, mas o padrão de escolaridade e renda têm uma notória diferenciação. Jardim Botânico, Lago Sul, Lago Norte, Plano Piloto, Sudoeste e Octogonal são consideradas regiões com renda alta e maioria não negra equivalente a 67,19%. Estrutural, Fercal, Itapoã, Paranoá, Recanto das Emas, Setor Complementar de Industria e Abastecimento (SCIA) e Varjão ocorre o oposto, os negros são maioria com 71,05% dos moradores locais. Por sua vez, estas são de menor poder aquisitivo.
Diante desses fatos já citados, é possível dizer que há negros de todas as cores. Existem, porém, muitos negros que não sabem que são negros. Mais do que necessária, a consciência negra é uma condição para impedir que a sociedade racista aponte do pior jeito a cor da pele, os traços ou a origem (por exemplo, jogando bananas para jogadores de futebol que nem se autodeclaravam negros). Além disso, uma vez forjados de orgulho e resistência, é possível reagir ao racismo sem permitir que determinem o lugar de uma etnia no mundo.
Neste país, todo negro é um sobrevivente. Sobrevivem a toda sorte de adversidade, ao descaso, à violência, à miséria, às doenças, às piores condições de trabalho, aos piores salários, à falta de assistência, à discriminação. Sobrevivem à escravidão, ao massacre da cultura, à perseguição da religião, a humilhações históricas e cotidianas.
O Dia da Consciência Negra é necessário para que todos os brasileiros possam pensar no país que querem construir. Este dia é preciso para simplesmente celebrar o orgulho do povo negro: o orgulho de ter sobrevivido!
E como é sobreviver no meio de tudo isso? Continue lendo e veja na historia de um negro brasileiro a transição de uma transformação exemplar.
ADRIANO LUGOLI É SUPERAÇÃO
Imagine a possibilidade de você ser expulso de casa? Claro que isso é terrível, mas até que isso acontecesse, muitas coisas ruins foram vivenciadas pelo o hoje renomado e conhecido modelo Adriano Lugoli. Até chegar as flores, muitas dores. “Perdi o meu pai quando eu tinha seis meses. Fui criado com muito amor pela minha mãe. Porém, aos 6 anos, conheci o verdadeiro significado da palavra rejeição na escola, pois pelo fato de ter os traços senegalenses, passei a ter os piores apelidos”, recorda Adriano. “Com isso, cresci odiando meus traços e a minha cor”.
Em seus relatos, ele relembra o quanto era tímido, fato que o bloqueava até na hora da dança nas festinhas que ia. Para vencer a vergonha, Adriano se deparou com o cigarro e a partir daí descobriu uma segurança que nunca teve para chegar nos lugares, inclusive se aproximar das garotas. O álcool foi a próxima ferramenta que o transformava no cara que ele não poderia ser quando sóbrio. Então, a maconha chegou e desde então, Adriano confessa que foi o portal que o levou a conhecer novos caminhos, inclusive, se enveredar em “novas” drogas. Para ser querido e ter amigos, este foi o caminho da aceitação que ele descobriu. O encontro com a cocaína veio logo e a chegada no crack também aconteceu. Foi nesse momento que o discriminado rapaz perdeu o controle da sua vida. Estava tão magro que quem o via deduzia uma doença. Achavam que era Câncer ou Aids. Ele já não tinha mais o controle de suas atitudes. Abandonou o trabalho, vendeu tudo e o pouco que ainda restava, perdeu. Nem a família o aceitava mais. Então, foram três anos de peregrinação nas ruas. O mineiro hoje estabelecido em Brasília conheceu a miséria, a fome, a dor e virou mendigo. Um pedinte que perambulava pelas ruas. Tinha se tornado um verdadeiro zumbi, já que as horas eram indiferentes e o que ele mais esperava era satisfazer o vicio. Um dia a irmã o encontrou e disse que ele precisava se tratar, como as pessoas doentes fazem, vão ate o hospital. E assim, ele precisava de uma casa de recuperação para ser tratado. Foram várias tentativas frustradas. Era como se a sentença de morte já estivesse decretada, mas finalmente, foi em Brasília que ele encontrou um lugar que lhe desse forças, decidiu ficar e experimentar um recomeço. Mais rápido do que imaginava, em seis meses já estava limpo sem usar qualquer substância tóxica. Estava longe das drogas e se sentia livre. Foi quando conheceu aquela que se tornou sua esposa. Em alguns meses chegou a boa noticia da gravidez. O casal ganhou um ensaio fotográfico para eternizar o momento. Para que todos soubessem, Adriano publicou uma das fotos no perfil de uma rede social. Se surpreendeu com as manifestações de elogio que recebeu. Sempre o aconselhavam a enviar para as agências de modelo, mas o preconceito era um fantasma que o atormentava e intimidado, sempre passava batido. Um dia, depois de muita insistência enviou. “Passei logo nos primeiros testes, gravei comerciais de TV e fui fotografado para revistas. Em seguida, encarei uma passarela”. Essa guinada o levou a ser referência para outros, desde então a mídia abria espaço para que Adriano Lugoli falasse sobre tudo o que passou. Esteve no Encontro com Fatima Bernardes, Hora do Faro, no É de Casa com Ana Furtado, no Programa Eliana. Fez várias campanhas como por exemplo, a do Disque Racismo de projeção nacional. Hoje, além da consolidada carreira de modelo, Adriano é palestrante, estudante de artes cênicas e está escrevendo um livro sobre superação chamado Vamos Viver? “Eu venci! Estou longe das drogas e celebro cada minuto da minha vida assim: rindo à toa!”
ALMA COM DOR
É provável que alguns leitores tenham a certeza que todo esse texto foi escrito por um negro, “só que não”! Se você digitar no Youtube Kleber Ribeiro – Sangue Negro verá alguém de cabelos loiros, olhos verdes e tez clara. No clipe declaro ter este sangue dentro de mim. De fato os tenho. É só olhar minha descendência e ancestralidade. Não muito longe, estão ali. No entanto, sei que só quem vive literalmente o cotidiano de ser negro sabe as experiência que têm. O que não anula minha voz em fazer coro e até gerar desconforto em alguns ao se deparar com esse manifesto em forma de música que lancei no mês da consciência negra. Não por modismo ou interesse. Nos últimos tempos, denunciar o racismo, o machismo, a intolerância religiosa ou a homofobia virou “vitimismo”. Esse neologismo infame, além de mostrar a superficialidade dos discursos, dilui o sentido da exclusão e da desigualdade que, de fato, determinam os lugares sociais de negros e de outras minorias, comprovando que existe uma elite que pretende manter as coisas como estão, aliás, como sempre foram.
Me importo com o meu próximo e se o seu preconceito não permite dizer eu grito: IRMÃOS, MEUS SEMELHANTES. Alma transcendente de quem não é negro não tem cor, alma do povo negro tem. E é na alma onde as dores ficam depositadas. Em algum momento da sua vida você já foi diminuído, ignorado, marginalizado ou depreciado por algum motivo? Quando isso é recorrente numa alma, ela pode sangrar todos os dias. Ter sangue negro vai além do meu esforço poético ou visceral. É além da minha imaginação ou das poucas experiências depreciativas que já presenciei alguns amigos passarem. Se na internet encontra-se um covil de covardes e criminosos que usam os espaços para normalizar o preconceito e a opressão contra o negro, posso usar as ferramentas que tenho para combater.
Em mim surgiu um desejo genuíno de cantar contra racismo e qualquer tipo de preconceito. Em menos de vinte minutos compus um axé dentre tantos ritmos e letras que já compus. Era a primeira vez que eu criava um. Como sempre, de madrugada. Sem esforço, apenas fluiu e junto a ideia de ter um canal e mostrar que eu poderia ser eclético quanto ao gosto. De repente, nasceu meu primeiro clipe. Vibrante, mas diferente do roteiro original.
Que povo grande, lindo, forte e intenso. Encerro com a letra desta composição e antes que você me julgue, se já não fez, seu achismo para mim de nada serve, mas a sua mudança pode transformar.
SANGUE NEGRO
SOU BRASILEIRO MEU SANGUE É NEGRO
ESSA É A COR DE UM POVO GUERREIRO
A MELANINA DA GINDA É UM ESPELHO
PELÉ É REI E É NO MUNDO INTEIRO
A ALFORRIA DE UM GRITO NO PEITO
RACISMO É FEIO E NÃO IMPORTA O JEITO
TEM GENTE NEGRA QUE SENTE RECEIO
ASSUMA O BLACK E O PODER SEM TER MEDO
GRANDE É OTELO, ZUMBI É BROWN E GANDHI
EU DISSE GRANDE. E ESSE PAÍS, SÓ CLAMA E DIZ
AXÉ PRA MATRIZ (AXÉ PRA MATRIZ)
ESTÉTICA DE UM POVO BELO, NO VERDE E AMARELO
NO BRANCO COM ÉBANO, NO AZUL MAIS FELIZ
SOMOS TODOS RAIZ, SOMOS TODOS TAIS
AQUI É MEU PAÍS, TEMOS A NOSSA GLÓRIA
E A NOSSA HISTÓRIA, IGUALDADE É DA HORA