Pichação e grafite: formas de expressão que nasceram nas ruas

Por Elsânia Estácio

A Capital Federal e o entorno têm ganhado cada vez mais cor graças aos grafites, traços artísticos gravados sobre diversas partes da cidade.  A arte que transmitem reflete a desordem social e o preconceito da sociedade em relação à classe baixa. Por toda a cidade o muro acinzentado, o ponto de ônibus e alguns prédios públicos, comerciais e abandonados tornaram-se alvo dos chamados “artistas do spray”.

Seja em uma simples placa revitalizada na UnB, muros, ou em centros de cultura, como no caso do Espaço Cultural Renato Russo (508 Sul). O grafite está espalhado nos quatro cantos do Distrito Federal a arte urbana dos grafiteiros.

A arte de rua, mais conhecida pelo termo em inglês street art, se tornou, depois da pop art, o movimento artístico de maior alcance neste mundo. Por muito tempo comparado com pichação, o grafite se integrou no rol das artes visuais urbanas.  A falta de conhecimento das pessoas sobre o graffiti e a pichação tornou esses artistas modelos de expressão das periferias para as ruas de todo país. Com o pichador é totalmente diferente. A sociedade, de um modo geral, o vê como um criminoso.

A arte de pichar

A pichação é um ato de escrever ou rabiscar sobre os muros, fachadas de edifícios, chão, monumentos ou obras de arte, usando tinta spray aerossol, de difícil remoção, estêncil ou rolo de tinta. No Brasil, deu-se o nome de pichação, por causa da simplicidade e da execução rápida. Os grupos dos pichadores têm hierarquias e códigos de honra e conduta. Ou seja, eles se respeitam entre si, embora a concorrência seja enorme.

Segundo o cantor de rap Magú, de 35 anos, sua pichação tem o diferencial de não vandalizar. Sendo o artista uma exceção, ele expressa sua arte com pensamentos e poesias. “Na época em que comecei a escrever nas ruas, foi a necessidade de me expressar para o mundo. Pensando bem, hoje também!  Escrevo poesias, pensamentos, crenças e loucuras particulares, mas sempre com o intuito de provocar diferentes sensações nas pessoas que vão ler o que picho”, revela o artista.

Já Paulo (nome fictício), de 27 anos e seu irmão gêmeo Fernando (nome fictício), além de pichadores são líderes de uma das três maiores gangues de Brasília, os Grafiteiros Sanguinários Noturno – GSN. “No começo até eu estranhei, quando eu e meu irmão pegamos a liderança era a primeira vez que o líder não era da Ceilândia, então fomos ganhando a confiança aos poucos. No geral é bom, por causa da pichação somos bem recebidos em quase todos lugares onde passamos,” afirma Paulo (nome fictício)

Eles começaram a pichar ainda na adolescência e até hoje fazem parte do movimento. “Começamos a pichar por causa da fama nas ruas, gostávamos de ser reconhecidos nos lugares onde passávamos. Depois virou uma vício com muita adrenalina. Mas, nunca paramos nossa vida por conta da pichação. Hoje temos um bom emprego, sempre soubemos separar as situações”, declara os irmãos.

O grafiteiro tem influências da cultura hip hop e muitos acreditam que tenha confusões de ideais com os pichadores. Por um lado, o graffiti os une e depois os separa, conforme forem os seus confrontos. O que acontece é que o preconceito é exposto por aqueles que desconhecem esses dois mundos, tanto do grafiteiro como do pichador. De acordo com o grafiteiro Gilmar Cristiano, de 44 anos, mais conhecido como Satão, crescer nesse meio e ter uma bela história no final para contar e ser lembrada. “A rua todos os dias te convida para algo novo, somos tatuadores dos muros por aonde passamos. Nossa inspiração vem na continuidade de todos os dias em querer deixar algo novo paras as comunidades. Somos guerreiros, lutamos contra o muro cinza”.

E o artista acrescenta: “Todas as técnicas de grafite são válidas para a cultura de rua. Minha história com o graffiti sempre foi e será o legal, o autorizado, assim consigo trabalhar tranquilo e transformar o espaço cinza em um mural colorido e com a ideia de transformação social daquele mural”, conclui o artista.

Os grafiteiros, por amor à arte, muitas vezes tiram dinheiro do próprio bolso para contribuir com a arte na cidade. Para o grafiteiro Hudson Dias, de 25 anos, morador de Samambaia Norte, mais conhecido como Hud, o grafite tem um grande poder social. “Não basta o grafite ser algo artístico, tem que ter uma posição, importância social, uma reflexão sobre a nossa cidade e a vida”, destaca.

 

Hudson atualmente vive o que para vários artistas ainda é sonho: tira seu sustento exclusivamente da arte. “O grafite é a minha ocupação, é de onde eu tiro o meu sustento. Eu trabalho com ilustrações, exposições e produções culturais. O que me fortalece é a arte. É algo que eu faço com prazer e que me proporciona aprendizado todos os dias” afirma.

O artista afirma que o que fez optar pelo grafite, foi a falta de cultura e lazer na cidade. “Eu sempre procurei algo para me ocupar de alguma forma, e eu descobrir por uma opção o gosto pelo grafite que é algo que eu aprecio e faço hoje. Eu gosto de fazer desenhos que se associe a ancestralidade negra e também gosto de desenhar reflexões na rua”, declara.

O vocabulário dos grafiteiros

Como entender os grafiteiros através das suas principais gírias. O linguajar têm influências da língua norte-americana, as palavras são em inglês:

Fame (Fama): Quando os grafiteiros respeitam o artista famoso, como Nunca.

Piece (Peça): Quando os grafiteiros utilizam três ou mais cores no graffiti.

Tag (Etiqueta): Quando os grafiteiros utilizam seus pseudônimos para assinar os seus graffitis.

Toy (Brinquedo): Quando os grafiteiros chamam os iniciantes no graffiti.

Doll (Boneco): Quando os grafiteiros utilizam pessoas comuns no graffiti.

3D (terceira dimensão): São feitas com ideias visuais profundas, sem usar contornos. A técnica do grafiteiro é a profissional, requer combinações fortes com as cores e as formas.

Livre configuração ou artístico: É o famoso “vale tudo”. Geralmente, usam personagens em HQ (história em quadrinhos), caricaturas, figuras realistas e influências abstratas.

Wild style (estilo selvagem): São letras distorcidas, com setas que cobrem o desenho.

Bomber (bombardeiro): São letras gordas e vivas com duas ou três cores.

Máscaras e spray: São só utilizados quando querem uma rápida execução e o direcionamento do grafiteiro ou do grupo ao término do desenho.

O vocabulário dos pichadores

Rolê do spray

A inscrição da turma é a principal na pichação reta. Turmas são grupos de pichadores que usam uma marca em comum e fazem “rolês” (saídas para pichar) juntos. Os nomes são difíceis de ler, mas dá para decifrar com alguma prática. A marca da turma não varia e todos os membros têm que saber reproduzi-la com perfeição.

É nós na tinta – A seta significa duas coisas: primeiro, indica que a relação de duas turmas (a que aponta e a que é apontada) é de amizade. Segundo, significa que ambas fizeram o “rolê” juntas, e picharam uma seguida da outra. Em outras palavras, a seta deve ser lida como uma vírgula – como aconteceram na mesma hora, as pichações devem ser lidas sequencialmente.

Marca pessoal – Cada indivíduo que participa do picho também assina suas iniciais, geralmente entre as letras da turma ou no lado superior direito. Essas iniciais podem ser abreviações, siglas ou mesmo logotipos. Algumas são decifráveis (“MRC”, por exemplo, é uma abreviação de “Marcos”), outras não. Pichadores datam a pichação para ver quanto ela vai durar.

Em terra firme

A modalidade mais simples de pichar é com os pés no chão. Em vez de escalar prédios e estruturas, quem faz do chão tenta alcançar mais alto com o chamado “jeguerê”: uma escadinha humana de até quatro pessoas em pé nos ombros uma da outra e apoiando as mãos na parede. Comparado a outras modalidades, é relativamente seguro. 

Risco elevado

Nas pichações de “pico”, no topo dos prédios, membros da turma sobem pelos cabos dos para-raios ou pelas próprias escadas internas. São geralmente feitas com rolos de tinta. Quando se usa spray, dá para distinguir de uma pichação “janela” porque o fumê fica na parte de baixo.

Proezas suicidas –  “Escalada” ou “janela” é a modalidade que mais tira a vida de pichadores. O desafio é escalar prédios pelas janelas das fachadas, na alta madrugada, o mais alto possível. Os pichos são feitos com eles geralmente dependurados ou se esticando, então as partes mais altas da assinatura ganham um efeito fumê, sinal de que o spray estava mais longe da parede.

Treta no paredão –  Colocar sua pichação acima da dos outros é uma forma de dizer que você teve mais ousadia e escalou mais alto – isso é chamado de “quebra”, uma tiração de sarro inocente. Insulto mesmo é o “atropelo”: pichar em cima da assinatura de outra turma. É um convite à violência, um insulto gravíssimo que acaba em briga ou morte.

Poliana Costa
Author: Poliana Costa

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